quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Fotografias contadas

Ao passar, perguntou-me porque razão estava eu ali, de manhã, tão cedo, a tirar fotografias. "Isto não tem interesse nenhum menina. Está tudo velho. E como anda o governo, assim vai ficar por muito tempo".


Sorri, como quem compreende o seu tom de desagrado e a sua confusão e disse-lhe: "Eu sei que está velho, mas estou a tirar fotografias porque gosto, porque me apetece". Não me ligou, não quis saber, perdida nos seus problemas e inquietações. "O parque infantil está na mesma. Vêm as crianças aproveitar o sol e não podem brincar".


Certa da sua razão e solidária com a sua preocupação, disse-lhe: "É uma pena. Mas sempre podem ver o jardim que a senhora arranja com tanto cuidado". Desejei-lhe um bom dia e segui o meu caminho. Ela sorriu envergonhada e desejou-me, também, um bom dia e ali ficou presa ao chão pelos seus sapatos gastos, com a sensação de ter os braços amarrados.


Foram tantos os dias que ali passou, que deixou de ver a beleza que ali existe, mesmo à sua frente. Esqueceu-se, nos dias perdidos que ali passa, que todas aquelas flores bonitas lhe passam pelas mãos e que ficam mais coloridas depois dela, por elas passar.
Esqueceu-se, mas eu hoje lembrei-a e ela sorriu.



Arrependimento

Cada passo nesta escada já foi uma certeza. Foi a certeza de que caminhava no sentido com sentido e de que nunca iria querer voltar atrás.


Agora, cada degrau que piso, esconde uma lágrima que ficou por cair e um sufoco que me consegue desesperar.


Ali, sentado, esperei. Esperei que a vida chegasse, enquanto ela esperava por mim. Vi-a passar, tantas e tantas vezes, cheia de vida e de vidas que se perderam, ali. Também a minha lá ia, direita a lado nenhum. Se o arrependimento pudesse castigar, eu viveria de castigo para sempre. Agora digo; não subas essas escadas por onde todos passam, constrói as tuas. Não esperes por essa vida onde todos se perdem, encontra a tua.




Com encanto

Era naquele recanto que nos encontrávamos. Era naquele recanto que nos beijávamos e era naquele recanto que com encanto ela me dizia: amo-te.


Dizia um amor tão imenso como o verde daquele jardim e eu dizia o meu, tão denso como as pedras daquele chão.
Agora sento-me sozinho neste recanto, onde com o seu encanto, ela me disse num pranto que o jardim já não era verde. E tudo chega ao fim. As pedras estão tão densas como antes e para mim, o verde está mais vivo que nunca.


Fico à espera então, que as pedras passem a ser areia e que o verde passe a ser, quem sabe, o azul do mar.
Agora já sei que aquele recanto nem sempre poderá ter o encanto que ela um dia lhe deu.


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